sábado, 6 de fevereiro de 2016

Orgânico e agroecológico

Ao procurar alimentos saudáveis, produzidos em comunhão com a Natureza pela agricultura alternativa ao modelo industrial vigente, o consumidor se depara com uma série de denominações que podem deixá-lo confuso quanto ao significado e pertinência. Vamos tentar entender porque.

Desde o início da química agrícola, em diferentes regiões do Planeta, diversos estudiosos criticaram a maneira reducionista e positivista de empregar os conhecimentos adquiridos pela Ciência na produção agrícola. Achavam o modelo manco, por ignorar as incontáveis interações biológicas existentes nas relações entre o solo, a planta, o ambiente, a fauna e o homem.

 O contrário deste modelo era adotar um enfoque holístico, que promovesse a agrobiodiversidade e os ciclos biológicos na unidade de produção, procurando sua sustentabilidade ambiental, econômica e social, no espaço e no tempo.

Ou seja, a propriedade agrícola é considerada uma unidade indivisível, onde todas as atividades seriam parte de um corpo dinâmico interagindo entre si. Seria um organismo agrícola, um sistema onde o todo é maior que a soma das partes. Daí a origem do termo agricultura orgânica. De organismo agrícola.

Este nome foi adotado pela Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM, do inglês) que sistematizou os princípios que orientavam o movimento: saúde, ecologia, justiça social (equidade) e precaução. E definiu normas de produção, orientadas por estes princípios, que forneceram as bases para sistemas de certificação exigidos pelo mercado.

De cara os representantes da agricultura industrial questionaram a utilização do termo pelos movimentos de agricultura alternativa, alegando que, mesmo com o uso de insumos industriais, aconteciam os processos biológicos e orgânicos na agricultura convencional. A discussão chegou aos tribunais, que deram ganho de causa aos movimentos, garantindo a utilização do nome Agricultura Orgânica (AO) como exclusividade de um modelo de agricultura não-convencional, praticado num organismo agrícola.

A legislação brasileira adota o termo “orgânico” como coletivo das várias escolas que praticam este modelo de agricultura: biodinâmica, orgânica, biológica, natural, ecológica, permacultura, regenerativa, sustentável, ou qualquer outro que siga os mesmos princípios.

E onde entra o agroecológico?

Na polêmica citada acima, alguns defensores da agricultura alternativa defenderam a adoção do termo Agricultura Ecológica (AE) como uma maneira de escapar dos problemas levantados pela indústria. Pessoalmente, acho que o reconhecimento pela Justiça da propriedade de utilizar o termo Agricultura Orgânica foi muito importante por aceitar o conceito de organismo agrícola, marcando a diferença entre uma agricultura baseada em insumos, de outra baseada em processos. Os termos orgânico e agroecológico se entrelaçam em sua origem. E muitas vezes são usados como sinônimo, embora nem sempre com propriedade.

O crescimento explosivo da demanda por este tipo de alimento, sem o correspondente aumento da oferta, provocou uma melhor remuneração, atraindo muitos produtores, interessados apenas em cumprir as normas para conseguir uma certificação e participar deste mercado.  Em detrimento de uma observância rigorosa dos princípios, em especial o da ecologia. Uma agricultura de insumos orgânicos, ao invés de processos orgânicos.

Por outro lado, o desastre ambiental provocado pela agricultura industrial (e pelo conceito de desenvolvimento e seu modelo) fez surgir com força a preocupação com a ecologia e muitas discussões sobre um novo modelo de exploração agrícola. Surge então o termo Agricultura Sustentável, solução encontrada pelos países ricos para não adotar a Agricultura Orgânica como paradigma, temendo prejudicar sua indústria.

Neste contexto aparece a Agroecologia, uma Ciência nova que utiliza conceitos da agronomia, ecologia, economia e sociologia, com limites teóricos bem definidos, propondo o desenho de sistemas agrícolas mais integrados, abordando as biointerações que aí ocorrem, os impactos da agricultura nos ecossistemas e as questões sociais que envolvem a produção agrícola. Uma abordagem holística, para um modelo de agricultura que responda às necessidades atuais de alimentos saudáveis, respeitando os limites dos ecossistemas e promovendo o bem estar de todos os seres vivos do Planeta. Isto é, um marco conceitual de uma agricultura sustentável em suas dimensões ecológica, econômica e social, definindo caminhos, mas não impondo regras ou normas.


Complicado? Não, complicada é a vida. Continuaremos nosso papo.

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