sábado, 17 de outubro de 2015

A arte de colher o sol

O sol é a fonte de toda a energia e toda forma de vida do nosso planeta. Mas, somente o reino vegetal (plantas, algas) tem a capacidade de transformar a energia pura que recebe do sol em energia química, sintetizando seu próprio alimento.
Todas as outras formas de vida existentes dependem, pois, dos vegetais para sua sobrevivência e reprodução.
Nos primórdios de sua existência, o ser humano, confrontado com esta situação, perambulou pelo Jardim do Éden, coletando frutos, sementes, folhas, flores, raízes enriquecendo a dieta com algum animal distraído que passasse por ali, para garantir sua existência. Esgotada a coleta num local, levantava acampamento e ia em busca de novo pasto.
Nestas andanças, observou que nos sítio por onde passava, em volta dos lugares onde armava as tendas ou nas vizinhanças das cavernas que usava com abrigo, as sementes que caiam ao solo davam origem a novas plantas, iguais às que utilizava para se alimentar.
Pronto. Descobrira a forma de acabar com a canseira das viagens carregando o monte de tralha que todo humano vai juntando pela vida. Era o começo da agricultura.
Pra dar conta de implementar este novo modo de vida teve ainda de aprender com a Natureza todo o processo que levava uma semente, às vezes insignificante, se transformar num vegetal que suprisse a sua necessidade. Foi aluno paciente e atencioso, conseguindo por fim se estabelecer em local propício e largar a vida errante.
Desde o começo desta nova etapa, promoveu uma simplificação no sistema vegetal existente, cultivando umas poucas espécies que atendiam seus objetivos. Sempre podiam coletar outras nas matas e florestas que circundavam os assentamentos humanos.
Para o estabelecimento de seus cultivos, derrubou a floresta com seus machados de pedra, limpando o terreno com o fogo, deixando-o no ponto de receber as sementes que selecionara. Um procedimento usado até hoje, como podemos ver.
Dizem os mais velhos que isso se deu há uns dez mil anos atrás, quando do nascimento do Raul Seixas.
Daí surgiram as cidades, o comércio, a indústria, as profissões especializadas,  a cerca, a propriedade privada e todas as criações humanas que nos conduziram a este estado de progresso e convulsão onde nos encontramos.
No começo, a agricultura tinha por objetivo alimentar o grupamento humano de cada localidade. É de supor que nesta época nossa espécie tenha desenvolvido formas colaborativas e solidárias de convivência, para fazer frente aos desafios de seu entorno, sendo o tão propalado egoísmo humano uma construção perversamente elaborada por grupos que viram neste sentimento uma forma de tirar proveito.
Com o desenvolvimento da Economia, passou-se a enxergar a Agricultura como um setor atrasado, pouco dinâmico, apenas suportado por ser a única forma de produção capaz de produzir alimentos para uma população que não parava de crescer.
E a partir do conhecimento científico de uma parcela mínima e isolada de seu funcionamento, tentou-se modernizá-la dentro de uma lógica industrial, desprezando uma infinidade de seres e processos presentes nos ecossistemas.
Com um arsenal de motosserras, correntões, tratores, desfolhantes, herbicidas destroem ricos ecossistemas, ainda desconhecidos, deixando um rastro de morte, tristeza, exclusão, pobreza, mas frequentando as páginas de economia da imprensa como setor dinâmico e produtivo: o tal do agronegócio.
Um sistema predatório e irresponsável, cujas consequências já são sentidas por todos.
E a gente ainda corre o risco de ver alguma reportagem nos jornais, reproduzida depois por alguns, por ignorância e/ou má fé, acusando os pequenos agricultores de agredir a Natureza, por usar este sistema tão antigo de derrubada e queimada. Por certo, temos hoje o conhecimento de formas mais apropriadas de conduzir os cultivos. Mas o buraco é mais embaixo.
Diz um provérbio chinês que a agricultura é a arte de colher o sol. Tá certo. Colhe-se o resultado da fotossíntese. E qualquer forma de agricultura que ignore sua característica essencialmente biológica está fadado a não ser sustentável. O risco é que só acordemos pra isso quando o desastre for irreversível.


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